Iracema Santos Fantaguci
(Ex-aluna de Pe. Ângelo no Colégio S. Pio X, em Balsas-MA, em 1968/69. Participava em São Paulo do Centro Paulistano-Maranhense Brasil Melhor. Era encarregada, junto com seu irmão Nathan Santos, de enviar as cartas-circulares aos amigos de Pe. Ângelo, no Brasil. Participa atualmente da pesquisa para a edição destesite, resultado dos encontros realizados em 2007 do projeto de “Resgate da Memória de Pe. Ângelo”.)
“O caminho que estamos percorrendo no resgate da memória de Pe. Ângelo nos faz mergulhar na sua história, acompanhar passo a passo a sua trajetória e nos dá a conhecer a vida do missionário que se fez amor por onde passou, que se fez doação e se multiplicou em tantos Ângelos como um anjo de bondade que a todos quer acolher e socorrer.
Nesse resgate da memória de Pe. Ângelo, algumas imagens são marcantes: A imagem do “anjo-mestre” -- durante toda a sua vida passou a seus alunos lições de Ética, de Moral cristã, coragem e Fé. Tratava os alunos como a filhos que precisam de um pai presente e acolhedor.
Escrevia cartas-circulares para ex-alunos e amigos espalhados pelo Brasil e por outras partes do mundo, como Portugal e Itália, contando de suas experiências como missionário, contava sobre os sofrimentos físicos causados pelas inúmeras doenças graves e como conseguia vencê-las pela Fé e oração.
Sua ligação com seus ex-alunos e amigos era muito forte e, por desejar tê-los sempre próximos, criou o Centro Paulistano-Maranhense. Tínhamos encontros bimestrais na Capela Santa Cruz, na sede dos combonianos de São Paulo.
Quando ali chegávamos o mestre já estava a postos com giz na mão e anotados na lousa temas polêmicos como aborto, eutanásia, pena de morte. Refletíamos sobre a situação sociopolítica brasileira, nos indagava o que podíamos fazer para tornar o Brasil um país melhor para todos. Nesses encontros, voltava a ser o mestre.
Muitos de seus ex-alunos e amigos espalhados pelo Brasil, Portugal e por outras partes do mundo estão, agora, engajados no projeto de resgatar a sua memória. Não esqueceram o mestre e amigo.
Foi um “anjo-mestre” também para os alunos do Instituto Ana Rosa, entidade que cuida de crianças carentes e dá cursos profissionalizantes para adolescentes pobres de São Paulo.
Nos hospitais de São Paulo, temos a imagem daquele ancião, de calça escura, camisa azul-clara, barba branca, rosto sorridente, chegando como o “anjo-consolador” para a visita aos doentes. Chegava às vezes tarde da noite, sou testemunha disso, porque várias vezes visitou a minha mãe em hospitais de São Paulo. Dava-lhe a unção dos enfermos e depois ia de leito em leito, orando e falando de Deus aos que o quisessem ouvir. Dava-lhes ânimo e coragem. Minha mãe, às vezes na UTI, em estado muito grave, sempre que recebia a unção, melhorava, e logo tinha alta.
Outra imagem muito marcante é a do “anjo-noturno” que fazia a ronda pelo bairro, levando amizade e carinho aos guardas-noturnos, inserindo-os na Igreja, batizando-os, crismando-os. Somos testemunhas disso porque muitos deles foram batizados nos nossos encontros e seus nomes logo eram adicionados à lista para envio de correspondência.
Temos a imagem bem mais forte agora de Pe. Ângelo como “anjo-dos-presidiários”. Levava Deus aos distritos policiais, aos presídios. Conseguia dar aos presos novas perspectivas de vida, amolecer o coração e curar as feridas da alma. A transformação foi tão grande que, percebendo a pobreza em que viviam muitos moradores de uma favela próxima à cadeia, tiveram a idéia de jejuar doando o seu café da manhã para ajudá-los a matar a fome.
Mas Pe. Ângelo não foi só um “anjo-urbano”, ele também enfrentou ambientes de conflito de terra, na zona fronteiriça do Maranhão com o Pará. Era o “anjo da Paz”, aquele que trazia como arma o Terço, a confiança na Virgem Maria. As 5 “balas” maiores e a 50 “balas” menores do Terço mudavam a vida de quem cruzasse o seu caminho.
Também sentiu em seu corpo físico a dor causada por doenças graves das quais se recuperava como por milagre e com mais força para a missão.
Foi o “anjo-ternura”, “anjo-sorriso”, “anjo-acolhimento”, sempre respondia às cartas de seus amigos que lhe confiavam suas preocupações e sofrimentos. Sou testemunha disso porque cuidava da lista de endereços e remetia as cartas-circulares para ele.
Pe. Ângelo foi um anjo para os moradores de várias favelas de São Paulo. Na Paróquia de Santa Madalena, conseguiu transformar uma comunidade que vivia refém de traficantes. Criou várias pastorais que deram auxílio aos moradores carentes.
“Anjo-Amor” pela missão comboniana. Seu Amor ultrapassou as fronteiras de sua terra natal, a Itália, extravasando em Portugal e se solidificando no Brasil. Seguia os passos de Dom Daniel Comboni.
Amava os Sagrados Corações de Jesus e de Maria e esse amor expandia o seu coração em favor dos mais necessitados: favelados, presidiários, doentes, guardas-noturnos, operários de construção, migrantes nordestinos, meninos de rua. Nesse caminho, não esquecia seus ex-alunos, amigos, seus confrades combonianos. Acolhia todas as pessoas que estavam carentes de Deus e de Fé. Gastou-se até o último suspiro por esse amor sem medidas.
Realizou na Capela Santa Cruz, em São Paulo, o seu último encontro com ex-alunos e amigos em outubro de 2000 e adentrou o Céu no dia 7-12-2000. A imagem que nos toca mais profundamente é a de um santo. Um santo humilde, amigo, acolhedor, mestre, enérgico, manso, sorridente, incansável, um anjo que saía pelas noites distribuindo alimentos e agasalhos para os pobres, andava pelos hospitais levando atenção e consolo, ia aos presídios levando a esperança. Um anjo que esquecia de suas próprias dores cuidando das dores dos mais excluídos da sociedade. Convivemos com um santo, disso não temos dúvida.
Nosso projeto é reavivar em todos a sua memória. Queremos criar uma corrente de fé e de orações pelo Brasil, por Portugal, pela África, pela Itália, e por todos os lugares, para que consigamos a graça de que a Igreja o beatifique.” Dezembro de 2008.