quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Depoimento do Dr. Edmar Oliveira

Dr. Edmar Oliveira
(Ex-aluno e seminarista do Seminário e Colégio São Pio X, é hoje um médico conceituado em Balsas-MA. Deu à sua clínica o nome de Pe. Ângelo La Salandra. Nas eleições de 2008, foi eleito prefeito de Riachão-MA, sua cidade natal. Participa
do projeto “Resgate da Memória de Pe. Ângelo”.)
“Um homem sem ideal, sem sonhos, é como uma árvore desfolhada, morta. O vento passa e não lhe balança os galhos, sua sombra nada abriga, nem insetos; são apenas traços disformes que o sol projeta sobre a terra.”
“Se não me falha a memória, era o ano de 1981. Eu morava em Jundiaí, São Paulo, fazendo o quarto ano da Faculdade de Medicina.
Certo dia, senti uma necessidade grande de falar com o Pe. Ângelo. Senti dele uma enorme saudade. Queria olhá-lo, ver como estava, sentir aquele olhar brilhante que penetrava no mais profundo d’alma; aquele rosto redondo, aquelas bochechas que pareciam duas romãs mergulhadas naquela barba grisalha, longa, porém pouco espessa. Queria sentir aquela aura de santidade, falando com paixão de Jesus e da Virgem Maria.
Era um dia de semana, mas resolvi que iria faltar às aulas, pois nos finais de semana, eu trabalhava em São Paulo. Não podia adiar aquele encontro, não podia desperdiçar aquela vontade, aquela disposição, aquela oportunidade de recarregar minhas baterias. Eu andava meio pra baixo, um tanto desmotivado, angustiado. Sentia meu espírito em verdadeiro estado de inanição, parecia num turbilhão, sem ideal, distante de Deus.
Tomei um ônibus e fui até São Paulo. Lá tomei um coletivo que me levou à Casa Comboniana.
Identifiquei-me e fiquei aguardando na sala de espera, ansioso. Assim como o filho que há muito não vê o pai, a quem ama e admira.
Lá vem ele, descendo as escadas, passos apressados. Os mesmos óculos que tornavam mais expressivos o brilho de seus olhos; a mesma sandália que usava sempre; a mesma calça (ou o mesmo estilo) folgada e um pouco curta, acima dos tornozelos, deixando aparecer as meias; a mesma camisa azul clara,
parecendo de um tecidinho barato e, por baixo dela, a mesma camiseta branca de malha. Os dentes falhados, o mesmo sorriso puro como de uma criança, ou mesmo de um anjo, de um santo.
‘Oh! Salve! Meu Edmar, que satisfação! Jesus e a Virgem Maria estejam contigo. Oh, filhinho, que bom te ver!’
Eu, ainda sem acreditar que estava ali, beijei sua mão, como nos tempos de seminarista, no São Pio X, em que ele, reitor, andando em silêncio pelos corredores, a passos lentos, com o terço, ou o breviário na mão, todos lhe beijávamos a mão antes de dormir, como o filho que pede a bênção ao pai.
‘Padre Ângelo, eu é que estou feliz por reencontrá-lo. Estava com muita saudade.’
E, se dirigindo para uma sala reservada: ‘Vem, anda cá, filhinho, vamos conversar’.
Primeiro perguntou como andava minha vida espiritual, como estava com Jesuse com Maria, se estava vivo, se estava freqüentando a Santa Missa aos domingos. Com jeito de quem não estava falando a verdade, respondi que sim, que andava muito ocupado, mas ia à missa de vez em quando. Perguntou sobre a minha família, meu pai, minha mãe, e aquela minha irmã que tinha feito o curso do CAER.
‘Como se chamava mesmo? Ah! Nossa Dagmar! Como vai ela?’ Perguntou sobre ex-alunos, falando de suas características, sobre amigos.
Tinha uma memória fantástica para lembrar nomes e particularidades da vida das pessoas. Se eu ainda não me havia casado e, como respondi que não, aconselhou-me sobre que tipo de moça eu deveria namorar: pura, ligada à Igreja.
Relembrava Balsas -- a nossa Balsas, como ele gostava de chamar e de que falava com a emoção de quem fala  de sua terra natal. Falamos sobre família, um de seus assuntos prediletos, sociedade, educação, política, pobreza, violência etc., etc.
Por fim, perguntou dos meus projetos, do meu idealismo. Falou de seu trabalho desenvolvido nas favelas e nos presídios, dando conforto espiritual e convertendo almas que se tinham desgarrado da fé, tentando minimizar a miséria, a fome de crianças pobres e sofredoras, filhas de pais presos e favelados. Visitando doentes nos hospitais, transmitindo-lhes fé, coragem, esperança, ou ministrando o sacramento da unção dos enfermos. Tentando reconstruir famílias desmoronadas, casamentos em ruínas. Enfim, do trabalho de um eterno idealista, de um sonhador acordado, querendo fazer com que os pobres sofressem menos e fossem menos pobres. Sonhava em  tornar o mundo melhor.
Falei, então, dos meus ideais, dos meus sonhos, de me preparar para voltar à nossa região, de ser um instrumento de Jesus, ajudando a curar doentes e salvar vidas. E encerramos nossa conversa, o nosso encontro, emocionados. Ele me dizendo esta mensagem que ficou para sempre gravada na minha memória da qual jamais esquecerei no momento em que a fé e o idealismo queiram fraquejar:
‘Filhinho, recarreguei as minhas baterias. Estou vendo que a semente que plantei germinou. Que um de meus ex-filhos continua idealista e sonhador, não se perdeu nos meandros da vida. Isso me dá forças para continuar minha luta, minha missão; formar homens, formar cidadãos para a vida, para o mundo.’
Saí dali também com minhas baterias recarregadas, leve, como se estivesse flutuando, mas com os pés no chão e com a certeza de ter conhecido e convivido com um grande homem, um dos maiores do mundo, um sonhador, um idealista, um realizador, mas, sobretudo, com a certeza deter convivido com um santo -- Santo Ângelo La Salandra.”

In Maria do Socorro Coelho Cabral. Pe. Ângelo La Salandra – Uma Vida, Uma Missão. Balsas, 7/12/2001, pp. 46-49.

Nenhum comentário:

Postar um comentário