quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Depoimento de Pe. Alfredo Neres

Pe. Alfredo Neres
(Missionário comboniano, conheceu Pe. Ângelo em Paço de Arcos, Portugal. Trabalha há mais de 20 anos como missionário no Congo, África. Enviou-nos este testemunho em setembro/2008.)
“Estava a viver há seis meses em Paço de Arcos, quando a primeira comunidade dos Missionários Combonianos aí chegou. O Pe. Ângelo era o superior da comunidade e responsável da Pastoral da capelania de Paço de Arcos, que nessa altura ainda não era paróquia, mas dependia da paróquia de Oeiras. O Pe. Ângelo tinha então 36 anos. Mas a sua longa barba, a sua postura, os óculos enfiados na cara davam-lhe uma aparência de 50 anos.
Pe. Lassalandra passava longas horas em oração no coro da capela do Senhor Jesus dos Navegantes, com os olhos fixos no sacrário. A atenção e a intensidade da sua oração deixavam-me perplexo. Era a primeira vez que me encontrava com um homem de oração desse calibre. Às vezes ia ter com ele ao coro da capela para me confessar ou perguntar qualquer coisa, mas via-o tão imerso na oração que não tinha coragem de o interromper. Ficava longamente à espera que ele levantasse os olhos e me fixasse, mas isso não acontecia. Por fim, ganhava coragem e ia-o interromper. Mas se ele estava a rezar o breviário e lhe faltava rezar uma parte da hora litúrgica que estava a rezar, fazia-me sinal com a mão, sem dizer palavra, para que esperasse. Depois vinha-me confessar ou responder àquilo que lhe perguntasse. Parecia que ele vinha de outro mundo! Tal era a intensidade da oração.
Gostava muito de me confessar ao Pe. Ângelo. Ele tinha sempre uma palavra a propósito de encorajamento para me dizer. Foi o segundo director espiritual que tive na minha vida. Tinha 16 anos quando o escolhi como director espiritual e com ele caminhei até ir para o seminário, depois de ter feito os vinte anos. Aqueles cinco anos, que o tive como director espiritual, foram-me muito úteis. Nesse tempo, ele disse-me para arranjar mais 4 jovens para começar com eles uma secção da JOC (Juventude Operária Católica). Convidei o Joaquim, o Raul, o José Luís e o Luciano. Assim, começámos os cinco a primeira secção da JOC em Paço de Arcos. Pouco a pouco, com a sua ajuda, tornámo-nos os cinco primeiros militantes. Foi ele que nos iniciou ao encontro assíduo com a Palavra de Deus, à comunhão diária (mesmo quando não podíamos participar na celebração da Santa Missa), à confissão frequente, ao menos mensal, à direcção espiritual e à oração diária do Terço. Ele comprava para a secção todos os livros que conhecia sobre a JOC, para que nós entrássemos em profundidade no espírito daquele movimento de jovens. De facto, em pouco tempo o número dos jocistas aumentou consideravelmente. Ele apoiava-nos sempre nas iniciativas que poderiam ajudar os jovens a aproximar-se de Cristo.
O P. Ângelo era uma pessoa sempre disponível para atender toda a gente, com uma atenção especial para com os pobres. Ele procurava interessar as pessoas mais ricas da paróquia para que ajudassem os pobres a terem uma casa digna e o necessário para viver.
Procurou meios para arranjar a capela do Senhor Jesus dos navegantes, para ser  mais funcional. Também procurou arranjar os locais do rés-do-chão da residência da comunidade para que aí houvesse salas para a catequese e um pequeno salão para as reuniões dos grupos ou do conselho da capelania.
O P. Ângelo deu-se de alma e coração para organizar a catequese para as crianças. Escolheu um grupo de catequistas, homens e mulheres, e confiou-lhes os manuais da catequese segundo a idade e capacidade das crianças. Fui um desses catequistas. Era a primeira vez que muitos de nós dávamos catequese. Por isso, o primeiro ano, ele reunia os catequistas segundo o volume que eles tinham de utilizar e dava-nos ele a catequese, como nós a devíamos dar às crianças. Assim, ele foi o nosso catequista e nós éramos os catequistas das crianças. Com esta metodologia missionária, sem que nós déssemos conta, estávamos a ser bem catequizados, o que foi muito útil para todos.
Quando não havia dinheiro na caixa para as obras, o Pe. Ângelo ia ter com uma e outra pessoa, apresentando-lhe a situação e as necessidades da Igreja. Ninguém tinha a coragem de lhe dizer ‘não’ quando ele pedia qualquer coisa. Pois, dado o seu estilo de vida paupérrima, toda a gente sabia que ele não retinha nada para ele, ou para a comunidade, mas tudo aquilo que era dado para una finalidade era empregado com esse fim, sem desvios possíveis.
O Pe. Ângelo gostava de nos pôr à prova para ver até que ponto éramos capazes de renunciar àquilo de que gostávamos muito em vista dum fim mais nobre. Dou um exemplo: Quando três de nós pedimos para ir para o Seminário, ele impôs-nos de renunciar à praia durante todo o verão. Ele bem sabia que nós gostávamos muito da praia e éramos bons nadadores. Quando lhe dizíamos que podíamos ir para uma praia mais recatada, pouco frequentada, ou mesmo ir tomar banho ao mar, onde não havia praia, a resposta dele era muito simples: ‘O Pe. Ângelo vai à praia?’ Com esta resposta deixava-nos completamente
desarmados. Não havia maneira de replicar. Mas esse sacrifício ajudou-nos pela vida fora, para sabermos renunciar a tantas coisas que não eram em conformidade com a nossa vocação missionária.
Durante os anos que o Pe. Ângelo ficou em Paço de Arcos, a vida cristã daquela terra cresceu visivelmente. O número dos habitantes de Paço de Arcos aumentou muito, durante os anos que o Pe. Ângelo lá esteve o número das missas dominicais passou de uma a cinco, cada vez mais frequentadas. A capelania desenvolveu-se muito e começou-se logo a pensar em fundar uma paróquia destacada de Oeiras. Para isso era preciso construir uma verdadeira Igreja Paroquial. Nesse sentido, o Pe. Ângelo deu-se de alma e coração para que fosse urbanizada a quinta, que existia no actual lugar da Igreja. Mas ele impôs a condição que o terreno para a Igreja fosse reservado no centro da urbanização e fosse dado gratuitamente à Igreja, o que ele conseguiu. Mas não teve a alegria de ver a Igreja construída. Seria a seu sucessor Pe. Luís Nesi a levar a cabo essa empresa.
Em suma, os anos, que vivi com o Pe. Ângelo, foram uma graça muito grande para mim. Todos o considerávamos como um santo. Ele edificava toda a gente que o contactava. A sua presença em Paço de Arcos foi um grande dom de Deus para aquela terra.”

Pe. Alfredo Neres

Alfredo Neres
Missionnaires Comboniens
Avenue Chrétienne, 13 - Kintambo
B.P.724
KINSHASA - LIMETE
(République Démocratique du Congo)

Nenhum comentário:

Postar um comentário